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Bom, você não foi. E não ligou. A mim, só restou lamentar a sua falta de educação. Imaginando motivos possíveis. Será que você não foi porque realmente não pôde ou simplesmente não quis? Será que não ligou para não me magoar ou justamente o inverso disso?
Estou confusa, claro. Achava que você iria.
Tanto que eu aguardei sua chegada por mais minutos do que deveria, inventando desculpas esfarrapadas para mim mesma. O trânsito, o horário, a meteorologia. Qualquer pneu furado serviria. E até o último instante, juro, achei que você chegaria a qualquer momento. Pedindo perdão pelo terrível atraso. Perdão que você teria, junto com uma cara de quem está acostumada, e assim encerraríamos o assunto. Mas você não foi.
Esperei outro tanto pelo seu telefonema, com todas as esclarecedoras explicações. Para cada razão que houvesse, pensei numa excelente resposta. Para cada silêncio, num suspiro. Para cada sensatez de sua parte, numa loucura específica da minha.
Se você tivesse ligado do celular, eu seria fria. Se tivesse ligado do trabalho, seria levemente avoada. Se a ligação caísse, eu manteria a calma.
Foram muitos dias nessa tortura, então entenda que percorri todas as rotas de fuga. Cheguei a procurar notícias suas pelos jornais, pois só um obituário justificaria tamanha demora em uma ligação.
Enfim, por muito mais tempo do que desejaria, mantive na ponta da língua tudo o que eu devia te dizer, e tudo o que você merecia ouvir, e tudo. Mas você não ligou.
Mando esta carta, portanto, sem esperar resposta. Nem sequer espero mais por nada, em coisa alguma, nesta vida, para ser sincera. No que se refere a você, especialmente, porque o vazio do seu sumiço já me preenche; tenho nele um conforto que motivos não me trarão.
Não me responda, então, mesmo que deseje. Não quero um retorno; quis, um dia, uma ida. Que não aconteceu, assim deixemos para lá.
Estaria, entretanto, mentindo se não dissesse que, aqui dentro, ainda me corrói uma pequena curiosidade. Pois não é todo dia que uma pessoa não vai e não liga, é? As pessoas guardam esses grandes vacilos para momentos especiais, não guardam?
Então, eis a minha única curiosidade: você às vezes pensa nisso, como eu penso? Com um suave aperto no coração? Ou será que você foi apenas um idiota que esqueceu de ir?
Fonte: Revista Claudia (19.11.2007)

Com certeza...


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Ela me perguntou se eu estava bem, eu nem sabia responder. Apenas continuei andando e ignorei qualquer interrogação que me viesse à mente ou aos ouvidos, não quis pensar, não quis complicar, não quis me encontrar. Só foi mais uma viagem ao centro do problema, ou melhor, dos problemas, até porque nunca aparece um só problema, parece que eles gostam de companhia, vem sempre todos juntinhos e emaranhados na mesma confusão.

Eu me perguntei se estava bem, ainda não sabia responder. Dessa vez fiquei parada e observei todas as interrogações, todas as possibilidades e pessoas, tentei pensar e descomplicar, finalmente ansiava me encontrar mas não consegui.

Cansei das perguntas "tudo bem?", eu nunca mais saberia respondê-las mesmo, desnecessárias na minha vida e inúteis no meu encontro, digo, desencontro.
Talvez a solução fosse seguir caminhando, afinal não é nem uma solução, é só a única opção. Talvez o ir andando mostre-me um dia o que procuro e a resposta para a pergunta "tudo bem?". Talvez não são interrogações que vão resolver os meus problemas e sim afirmações, talvez não, com certeza.


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"— Estuda?
— Sim, meu sargento.
—O quê?
— Pré-vestibular, meu sargento.
— E vai fazer o quê? Engenharia, direito, medicina?
— Não, meu sargento.
— Odontologia? Agronomia? Veterinária?
— Filosofia, meu sargento.
Uma corrente elétrica percorreu os outros. Esperei que atacasse novamente. Ou risse. Tornou a me examinar lento. Respeito, aquilo, ou pena? O olhar se deteve, abaixo do meu umbigo.
Acendeu outro cigarro, Continental sem filtro, eu podia ver, com o isqueiro em forma de bala. Espiou pela janela. Devia ter visto o céu avermelhado sobre o rio, o laranja do céu, o quase roxo das nuvens amontoadas no horizonte das ilhas. Voltou os olhos para mim. Pupilas tão contraídas que o verde parecia vidro liso, fácil de quebrar.
— Pois, seu filósofo, o senhor está dispensado de servir à pátria. Seu certificado fica pronto daqui a três meses. Pode se vestir. — Olhou em volta, o alemão, o crioulo, os outros machos. — E vocês, seus analfabetos, deviam era criar vergonha nessa cara porca e se mirar no exemplo aí do moço. Como se não bastasse ser arrimo de família, um dia ainda vai sair filosofando por aí, enquanto vocês vão continuar pastando que nem gado até a morte."





- Caio Fernando Abreu - "Sargento Garcia" em Morangos Mofados


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"Qualquer pessoa que, de propósito, cause tamanha dor a outra que diz amar é digna de desprezo, a mais baixa das mais baixas criaturas!"

"Sei que você está se perguntando a respeito de Peter, não é, Kit? É verdade, Peter me ama, não como namorada, mas como amiga. Seu afeto cresce dia a dia, mas alguma força misteriosa nos puxa para trás, e não sei o que é. Às vezes, acho que o desejo terrível que sinto por ele foi exagerado. Mas não é verdade, porque quando não posso ir ao seu quarto durante um ou dois dias, quero-o com tanto desespero como sempre. Peter é gentil e bom, e mesmo assim não posso negar que ele me decepcionou de muitas maneiras. Não gosto especialmente de sua aversão à religião, de suas conversas à mesa e de várias coisas desse tipo. Mesmo assim, estou firmemente convencida de que vamos nos prender ao trato de nunca discutir. Peter é amante da paz, tolerante e fácil de se lidar. Permite que eu diga um monte de coisas que ele nunca admitiria ouvir da mãe. Está fazendo esforço para remover os borrões de seu caderno e manter suas coisas em ordem. Mas onde será que ele guarda seu eu mais íntimo, ao qual nunca me dá acesso?
Claro que ele é muito mais fechado do que eu, mas sei por experiência (mesmo sendo constantemente acusada de saber tudo na teoria, mas não na prática) que, com o tempo, até mesmo as pessoas menos comunicativas desejam, como as outras - ou, talvez, mais ainda -, ter alguém em quem confiar."

"Nunca soube como é fazer alguém feliz, e tenho medo de não conseguir lhe ensinar...fico magoada cada vez que o vejo tão sozinho, tão cheio de desprezo, e tão infeliz"

"Não, eu penso em Peter muito mais do que em papai. Sei muito bem que ele foi uma conquista minha, e não o contrário. Criei na mente uma imagem dele, pintei-o como um rapaz calmo, delicado e sensível, necessitando de amizade e amor! Eu precisava abrir a alma para uma pessoa viva. Queria um amigo que me ajudasse a reencontrar o caminho. Consegui o que pretendia e o atraí em minha direção, devagar, mas com firmeza. Quando finalmente consegui que ele ficasse meu amigo, a coisa automaticamente se transformou numa intimidade que, quando penso nela, parece revoltante. Nós falamos sobre coisas mais particulares, mas ainda não tocamos nas que estão mais próximas de meu coração. Ainda não consigo entender Peter. Será que ele é superficial ou será que é a timidez que o puxa para trás, mesmo com relação a mim?"


-O Diário de Anne Frank


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Depois de muitas lutas contra ela mesma, a garota decidiu amar. Depois de travar batalhas entre seus sentimentos e todo o seu lado racional, ela decidiu deixar tudo de lado e se apaixonar sem medo, sem aquela cordinha que sempre a prendia no chão quando ela se deslumbrava com alguém. Dessa vez não existiam cordinhas prendendo os pés da garota, ela simplesmente resolveu que era hora de flutuar. Mais do que isso, ela estava certa que poderia flutuar, estava segura com quem a faria viver assim.
E, de repente, ela caiu.

Isso porque ela só queria amar...


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É bem aquele momento que você percebe o pior do mundo, o pior das pessoas, o pior dos sentimentos, o pior da vida...
Só nota o ruim de você, aquilo que deu errado, os caminhos tortos...
Perde-se qualquer senso de realidade ou, na verdade, ganha-se nesse quesito. É possível. Talvez a realidade seja cruel assim mesmo, talvez a frieza seja o certo mesmo, talvez eu seja errada. Ou, também, eu seja a errada nessa realidade. Talvez nunca pertença a nada, a ninguém. E não porque não quero, mas porque não querem que eu pertença.
Mas, calma, não sou a única. Esse mundo aqui tem muitas pessoas escolhidas para "não fazerem parte de nada", aquelas tais de renegadas por diversas questões. É, não sou a única. Mas, mesmo assim, me sinto única. Única quando me vejo sozinha descendo ladeira abaixo, enxugando as lágrimas com as próprias mãos e engolindo o choro.
Sim, eu sinto demais. Exageradamente. Loucamente. Ridiculamente. Tanto faz a palavra. Só sei que eu sinto.
Talvez infelizmente, porque é duro sentir demais.